terça-feira, 30 de maio de 2017

Mais um fim, mais um recomeço...

A senhora ao meu lado nesta foto é minha avó, e faleceu há exatos sete dias. Esperei a poeira baixar, o luto esfriar e as ideias entrarem em um clima (na medida do possível) menos triste e mais grato. Ainda assim, a passagem dela para outro nível de consciência (dê a isto o nome que você preferir) para mim representa muito mais do que o simples falecimento de uma avó já debilitada e com quase 95 anos.

Dizem que "pais servem pra educar, e avós servem para mimar", mas acho que o papel de minha avó transcendeu esta máxima. Durante toda minha infância, a senhora desta foto passava as tardes brincando comigo e meus primos, desde esconde-esconde na Cinerama, futebol até nos carregar após divertidos banhos de banheira na toalha, como sacos de côco (acentuei para não gerar interpretações dúbias). Sua casa nos parecia um parque de diversões, com escorregador, gira-gira, trapézio, gol de futebol, tabela de basquete, baú de brinquedos, uma dispensa repleta de quitutes, camas de mola que a gente brincava de pula-pula... Enfim, ela e meu avô sempre foram avós que fizeram de tudo para receber bem seus netos - como boa parte dos avós. Mas seu papel não se restringia aos momentos bons: como tive problemas de crescimento, todo ano estava fazendo bateladas de exames, e enquanto meus pais trabalhavam, eram meus avós que me levavam nos laboratórios da vida (e tentavam me tranquilizar quando tinha que fazer os temíveis exames de sangue). 

Já na adolescência, volta e meia recebia presentes em dinheiro que ajudaram a pagar meu 1o computador, meu intercâmbio e minha pós-graduação. Por causa destes avós, tivemos a oportunidade de ter uma casa de praia, onde fiz grandes amigos e vivi momentos dos mais inesquecíveis de minha vida. Ou seja... Além de fazerem parte de meu passado e pensarem no meu futuro, eles sempre estavam PRESENTES (e isso é o maior presente que podemos receber das pessoas que amamos).

Bem... Minha relação com esta senhora começou a mudar em 2001, quando seu marido (e meu avô) faleceu. De cuidadora, passou a ser mais cuidada por todos nós (já que passou a morar sozinha). Ainda assim, sua casa continuou sendo o centro de encontros da família - ou o elo mais evidente que unia todas nossas diferenças, cada vez mais evidentes na medida em que meus pais e tios envelheciam e eu e meus primos íamos nos moldando como seres humanos, cada qual com seus gostos, propensões e particularidades. Os "jantares na casa da vó" eram sinônimo de botar o papo em dia, rever pessoas queridas e sentir-se parte de uma base familiar sólida, unida e repleta de Amor. 

Não dá para negar que minha avó teve uma vida maravilhosa: pais zelosos, uma família unida, um marido que a amava mais do que tudo... Mas a vida não é feita só de sorrisos. E foi aí que, a partir de 2009, nossa relação mudou novamente. Diagnosticada com Alzheimer, esta senhora passou a ser ainda mais cuidada por todos nós - e a partir daí, dei início a uma jornada que terminou há poucos meses: como sou autônomo, passei a almoçar com ela sempre que era possível. E de uns seis anos para cá, vendo sua saúde se debilitar cada vez mais, tornei este almoço um compromisso semanal: levava meu computador, chegava no apartamento dela por volta de meio-dia e passava a tarde inteira trabalhando, batendo papo e tomando nosso "cafezinho da tarde" com quitutes como bolinhos de chuva, biscoitos, panetones e afins. 

Como ela sempre foi meio teimosa, às vezes tinha que ameaçar ir embora caso ela não desse uma caminhada comigo - mas fazia isso pelo seu bem, sabendo que quanto menos ela se exercitasse, mais limitada seria sua vida. E foi exatamente isso que aconteceu: com o passar dos anos, as limitações dela só cresceram, na medida em que as mesmas perguntas eram repetidas dezenas de vezes na mesma tarde e sua lucidez só surgisse nas conversas retratando passados mais remotos. O presente ficava cada vez mais ausente...

Por mais que eu tenha uma visão muito clara de que tudo isso aqui é apenas uma de nossas existências (e que a vida espiritual é um eterno recomeço), toda partida é sofrida. E, particularmente esta, que se deu há exatos sete dias, para mim, foi ainda mais sofrida. Mais do que uma avó presente (a última dos meus queridos quatro avós), esta senhora representava o único (e último) elo com duas gerações acima da minha. Conversar com ela era uma verdadeira aula de História - não a que aprendemos na escola, mas sim, a História real, de pessoas reais. Era entender uma geração que se cumprimentava nas ruas, que comprava com caderninho nas mercearias, que tinha muitos irmãos e vivia muito bem sem qualquer tipo de aparelho eletrônico. Era entender que um filho se cria com Amor e disciplina, pois é isso que forma pessoas respeitosas (e não estas crianças que desrespeitam seus professores, xingam seus pais e convivem perfeitamente sem o mínimo de educação e cultura). 

Por mais que a situação dela tenha piorado sensivelmente desde os últimos AVCs que teve no fim do ano passado (e que a gente saiba que nossos entes queridos não ficarão por aqui para sempre), a morte ainda representa um rompimento físico difícil de se digerir. A presença da ausência ganha um peso muito maior, e o que fica - pelo menos nos primeiros momentos - é uma série de "eu podia ter dito isso", "eu podia ter feito aquilo". 

Por tudo isso, o último dia 23/5 representa mais do que a partida física de uma avó: representa o fim do elo com toda uma geração nascida nos anos 10/20 e 30. Representa o fim de uma doçura que só as avós, filhos e netos podem nos proporcionar. E, mais do que tudo, representa a ausência de um presente que sempre esteve presente na minha vida passada e presente.

Se eu tivesse que definir minha avó em poucas palavras, eu diria que ela foi "uma segunda mãe menos preocupada e com mais leite condensado". Por isso, tenho certeza que com o passar dos meses, este amargo cessará e só sobrarão os momentos mais doces, alegres... E minha imensa gratidão por ter podido conviver com alguém tão atuante, alegre, presente e especial. 

A missão de vida dela acabou, mas a nossa continua. Se por aqui estamos de luto, tenho certeza que o "Céu" está em festa. E se eu viver até ser avô de meus netos, vou tentar ser exatamente o que minha avó foi: um presente sempre presente. 

PS1: Obrigado por tudo, vó. Manda um beijão pro vô depois que vocês botarem o papo em dia.

PS2: Daqui de baixo, continuarei te amando. E caso você queira bater um de nossos papos qualquer dia desses, sabe onde me encontrar. 


Seu neto e amigo,
Daniel Paione.


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