domingo, 9 de agosto de 2015

Eu, "Pai"

Hoje é dia dos pais, e para quem não tem um filho ainda (como eu), este é um dia em que nos dedicamos a cultuar nosso pai. Mesmo assim, neste texto escrito em 2012, eu procurei poetizar a função de um pai, imaginando como seria estar na pele de um. Mais do que um exercício de criatividade, este texto me fez valorizar ainda mais o trabalho e a dedicação de nossos pais. Por isso eu não teria como mensurar meus agradecimentos a eles em palavras.
"Primeiro veio a surpresa... No afã de duas mentes inconsequentes, girava uma verdade reluzente de que “isto nunca vai acontecer com a gente”. Aí veio a notícia inesperada, que explodiu na hora errada e me trouxe uma sensação de instantânea combustão, que me levou a uma precipitada conclusão: “minha vida está arruinada”.

Depois veio a incerteza... A cada dia corrido e sofrido, me jazia uma estranha pureza nesta já quase certeza de que o momento seria de extrema beleza. E eu, na minha crescente certeza, já me permitia sonhar com o teu chegar, com meu acalentar e um já incontrolável desejo de te amar.

Pois é... A chama já estava acesa. Mas no esperar do teu chegar, minha ansiedade era de matar. Uma pulsante e contagiante alegria às vezes se confundia com uma ardente azia. E meu novo e confuso dia a dia já não permitia uma vida sem tua presença, tua companhia, uma futura renascença.
Afinal, quem se torna pai, automaticamente
deixa um pouco de ser cria.
Aí chegou o dia especial... Com um simples puxão brutal, numa mágica sobrenatural, você surgiu sujo, melado, desdentado, pelado... E preso em um cordão umbilical. Nunca tinha visto nada igual. Para piorar, você já chegou berrando, chorando, praguejando... Normal. 

Disseram que aquilo era normal... Mas para mim, aquilo era surreal. Senti uma força brutal me tomando. Senti meu peito latejando e um infinito amar brotando, dizendo de modo profundo que jamais eu sentiria tamanho amor neste mundo. Então eu me vi rindo, chorando, babando e te acalentando. E meu amor só foi aumentando... 

Aí vieram os berros, os choros, as brigas e faltas de decoro. Surgiram as caras fechadas, as respostas malcriadas... E eu achava que não podia fazer mais nada. Senti um desgosto profundo, como se eu fosse o pior pai do mundo. 

Você se manteve crescendo, mudando e querendo cada vez mais espaço no laço que nos unia. Andando afastado da gente, você queria ser independente. Seguindo as modinhas vigentes, você se afastou irremediavelmente, numa visível e aparente alienação demente. Adolescente... Sempre crente que é mais gente do que a gente! 

“Me deixa uma esquina antes, não quero que me vejam chegando com o papai.” Ah, não quer? Então sai do carro do papai e pega o busão, moleque! É fácil andar de cara fechada ganhando mesada e tendo nada de preocupação. Ou não? 
Que situação deprimente... Como mosca e repelente, você não me olhava mais de frente. Como um débil demente, você se achou autossuficiente, me tornando um quadrado pai carente. “Aborrecente”... Sempre crente que é mais gente do que a gente!
Depois disso, o tempo voou. Num piscar de olhos, você namorou, se graduou e na faculdade passou. A cada piscada de olhos, o tempo passava, e eu me lamentava pelo tempo passado, perdido e deixado de lado, para sempre ultrapassado. Engraçado... Mesmo estando tudo mudado, ainda via o mesmo olhar de esperança que jazia em você criança. 

A cada mês passado, mais vidas você vivia. A cada emprego ganhado, mais ternos você vestia. A cada tostão guardado, mais forte você sorria. Te vi errando, chorando, praguejando... Mas para mim, você se manteve assim, do início ao fim, como a criança que chegou a mim naquele dia especial. Normal? Não, não acho normal!

Tempo desgraçado, que tirou você do meu lado... Tempo desfigurado, me deixou desnorteado, choroso e calado, sentindo meu peito rasgado e abalado... Exagerado? Nem ferrando... Só quem é pai sabe o que eu estou falando.

Aí aconteceu. Você, cheio de planos, de acertos e enganos, num dia chuvoso e quente, saiu pela porta da frente. Meu corpo inteiro tremeu. Um pouco de mim morreu. Sentindo meu choro num fio e meu coração a mil, perdi o rumo ao entrar no seu quarto vazio. Meu mundo inteiro caiu.

Pois é... Aconteceu. A vida é assim, seja para você ou para mim. Nem todo pano é cetim, nem todo osso é marfim. Mas todo cordão tem seu fim, a vida é assim. 

E agora, cá estou eu sentado, saudoso e parado.
O tempo passa voado, e nada mais importa. Não tiro meus olhos da porta, esperando um retorno que pode vir ou não. Não tem saída ou solução. Mas valeu cada segundo, pois este é o retrato profundo do maior amor que existe no mundo. 
Enfim... Aconteceu. Meu filho? Não, ele não morreu.

Ele apenas cresceu.




 (escrito por Daniel Paione)


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