terça-feira, 12 de agosto de 2014

Um dia comum em uma grande cidade do "brasil"

Como se equilibrar com o cenário descrito abaixo, em "um dia comum em uma grande cidade do 'brasil'"? Leia e tire suas próprias conclusões:

Hoje acordei no horário que sempre costumo acordar, entre 8 e 8:30. Tomei meu café, me arrumei e sairia para comprar o presente de dia dos pais do meu velho. Tirando isso, era um dia como outro qualquer, onde pego meu carro e saio para fazer algo (seja ir no mercado, visitar parentes, ir à academia etc.). Independente de escrever neste blog, também sou jornalista autônomo (pela total falta de oportunidades que minha área proporciona), por isso posso fazer minhas atividades em horários procurando fugir de todos os males de uma cidade como São Paulo: o trânsito caótico, os locais que oferecem risco de vida e outras coisas que nem compensa falar aqui - afinal, isso faz parte de nosso cotidiano, cada vez mais ornamentado de pequenos novos males, que aceitamos como cordeiros sabendo que serão um dia vítimas de algum tipo de algoz. Além do mais, este não é um dia atípico: é só mais um dia comum em uma grande cidade do "brasil".

Assim que meu carro sobe a rampa da garagem do meu prédio, o portão se abre automaticamente e alguns pedestres passam. Um grupo de 4 moleques que eu até já conheço de vista, de pedintes da região, vê que eu estou saindo e propositalmente atrasa seu passo, um cutucando o outro, me olhando e rindo discretamente, como quem diz "vamos foder esse burguês que nos fode todo dia". Todos andam bem devagar para me atrasar deliberadamente - mesmo sabendo que poucas horas depois, irão me cruzar nas redondezas e me pedirão dinheiro. Eu poderia me irritar, mas faço o que todo brasileiro médio (e cordato) faz: releva. "Eles são vítimas de algo maior, não tiveram as mesmas oportunidades que eu...". Só para deixar claro: não tenho nada de burguês. Ganho o suficiente para pagar minhas contas, sou solteiro, moro em um apartamento de 50 metros quadrados e meu carro é de 2003. Se bobear, como pedintes, eles ganham mais do que eu, um jornalista autônomo. Mas nem me estresso com eles, pois isso faz parte de um dia comum em uma cidade com a minha.

Entro na rua e poucos minutos depois, com o semáforo verde para os carros, um rapaz de uns 18 anos atravessa a avenida calmamente, a uns 20 metros da faixa de pedestres, obrigando os carros a desacelerar (ou passar por cima dele). Seu olhar mostra que ele quer confronto, e ele consegue: um carro na pista do meio dá uma acelerada e assusta o pedestre. "Olha o farol, filho da puta!", grita o motorista do carro. "Vai tomar no cu!", responde o pedestre, mesmo sabendo (ou não) que está errado. Por um momento, fico em dúvida de quem deveria apoiar. Em grandes cidades do mundo, as pessoas atravessam na faixa e os carros param para elas atravessarem, não importando a cor do semáforo. Por outro lado, essas mesmas pessoas sorriem e agradecem pela gentileza dos motoristas, enquanto aqui não há educação de nenhuma parte. Eu poderia me alarmar por estar numa selva de pessoas mal educadas e sem nenhuma civilidade, mas logo relevo, pois este é um dia comum, e essas coisas ocorrem todo dia.

Enquanto alguns motoboys me fecham enlouquecidamente e passam nos semáforos vermelhos, - e eu não me importo mais com isso, pois esse é o comportamento normal deles - eu paro no semáforo vermelho e observo a ciclovia que instalaram na minha esquerda. "Que bom, olha aí essas pessoas usando suas bikes e deixando seus carros na garagem, poluindo menos a cidade.". De repente, uma senhora de seus quase 80 anos atravessa na faixa de pedestre e, do lado oposto da rua (ou seja, fora da ciclovia), um ciclista tromba e derruba a velhinha. Além de não estar na ciclovia (que é o seu lugar), ele não respeita o semáforo vermelho para ele, como se um ciclista não devesse respeitar nada. Alguns motoristas descem do carro e começa uma discussão. O ciclista dá uma bronca na velhinha ("A senhora atravessa desse jeito, sem olhar para os lados?"), enquanto um homem e uma mulher brigam com ele ("Amigo, você é que está errado, devia estar na ciclovia e respeitar o farol vermelho!"). Mesmo um pouco revoltado com o ciclista, decido não fazer nada, pois o clima entre o ciclista e as pessoas já beira a uma briga maior. Vai que alguém está armado, né? E isso é algo comum em uma cidade como a minha.

O semáforo abre para mim, e vou ao shopping comprar o presente do meu pai. Acho uma vaga no estacionamento, paro e caminho para a entrada, quando vejo um carro com som alto parando em uma vaga para deficientes. Logo desce um casal normal de seus 40 anos. Para um suposto deficiente, o motorista anda bem rápido, assobiando, rindo e com uma postura altiva, ereta, como quem diz à esposa: "Tá vendo como eu tinha razão? Parei na frente da entrada, na vaga dos paralíticos e ninguém vai fazer nada, porque eu sou foda!". A uns 8 metros dali, um guardinha do estacionamento do shopping olha a cena e nada faz, permanecendo como um valete de copas com seu walk-talk nas mãos. Dessa vez, não aguento e o abordo: "Desculpe me intrometer, mas o senhor não viu que aquele cara não é deficiente, e parou na vaga de deficiente?". O guardinha, com uma expressão de desaprovação total, responde com ironia: "Não, não vi.". Saio dali pensando em ir na gerência do shopping denunciar o guardinha por não fazer aquilo que ele é pago para fazer, mas logo desisto. "Vai que ele tem filhos, sustenta a família e é mandado embora por minha culpa". Além do mais, eu não tenho nada a ver com isso, vou perder tempo e tenho mais o que fazer. E assim, vou à loja e logo esqueço o que houve - até porque isso é algo corriqueiro, que se fosse me deixar puto toda fez que ocorresse, me deixaria puto 24h por dia. 

Entro na loja, que acabou de abrir - e está vazia (pois são aproximadamente 10:15). A atendente da loja está colando etiquetas, e não olha nos meus olhos enquanto pergunto pelo produto que procuro. "Vocês têm camisas xadrezes?", digo eu. "Acho que não", responde ela sem sorrir, e ainda sem me olhar nos olhos. Dá para ler os pensamentos dela: "Eu aqui trabalhando e esse boyzinho passeando em plena terça de manhã". Porra, será que mereço ser destratado só por não fazer parte de uma pseudominoria? Será que um cara ser considerado um boyzinho pela sua aparência não é o mesmo preconceito que olhar alguém e julgá-lo um bandido por sua aparência?
Decido procurar o produto sozinho e o acho, mas em outro tamanho. Procuro outra atendente. "Vocês não têm um tamanho maior?". "Não", responde ela. "Tem certeza? Será que não tem no estoque?", insisto eu. "Não, não tem". Duvido que ela tenha o estoque todo memorizado, mas mesmo assim, decido sugerir o que eu faria se fosse vendedor: "Será que não tem esse tamanho em outra filial aqui perto? Se tiver, eu vou para lá comprar". A vendedora me olha como se eu estivesse falando em mandarim, e eu tento ajudá-la: "Vocês não têm os telefones das outras filiais dessa loja? Aí é só ligar para a mais próxima daqui e perguntar se tem esse modelo em tamanho GG". Ela fica uns segundos tentando assimilar o que eu disse e logo sacramenta: "Ah, não dá". Percebo uma total falta de interesse em me atender e saio da loja. Não há comprometimento em vender, atender bem o cliente, ser educado, gerar um cliente insatisfeito e uma consequente venda para o concorrente... Nada! Todo mundo ali agiu como se o mundo girasse em torno deles. E talvez gire mesmo.
Compro o presente em outra loja, que tem uma promoção: "uma camisa, R$39,90. A partir de 2 camisas, você paga R$35,90 cada uma". Como jornalista sem grana que sou (desculpem o pleonasmo), decido comprar logo 3: uma para o aniversário de um tio (que será em poucas semanas), uma para meu pai e outra para mim. Já no caixa, a atendente me cobra R$35,90 por 2 camisas e a terceira por R$39,90. "Moça, o valor está errado". Mas não adianta: por mais que eu tente explicar que o cartaz tá escrito "a partir de 2 camisas, R$35,90", ela não entende, e só repete "Não, a promoção é para 2 camisas. Se comprar 3, a terceira não baixa o preço. Dessa vez, eu chamo o gerente, e para minha surpresa, ele confirma o que a caixa disse. Vendo que perdi mais de 10 minutos naquele caixa e que todo esse esforço me pouparia apenas 4 reais, concordo e pago logo o valor que eles erroneamente me cobram. Afinal, não tem o que fazer: em uma grande loja de departamentos como aquela, não havia uma pessoa capaz de entender a frase exposta na promoção. E estar rodeado de pessoas rasas, mal educadas, sem civilidade e vontade de aprender, é algo corriqueiro em um dia mais corriqueiro ainda como hoje.
Na saída do shopping, passo no mercado para comprar um pudim que será levado na casa de meus pais, pois hoje vou almoçar com eles e tinha prometido levar uma sobremesa. Como estou com apenas um produto, vou à fila de no máximo 10 volumes, e logo vejo uma mulher com uns 15 produtos no carrinho. A fila tem umas 5 pessoas, e todas se olham, como quem diz "Tá vendo? Ali tem mais de 10 produtos", mas ninguém faz nada, confiando numa ação da caixa. Chega a vez da mulher, e a caixa passa sua compra sem dizer nada. Todos ficam indignados, mas ninguém faz nada. Na minha vez, decido perguntar: "A senhora não viu que aquela mulher passou uns 15 produtos?". A caixa, dessa vez com educação, me responde: "Vi sim, mas na última vez que fiz isso, a cliente deu um baita escândalo e só faltou me bater". Cara... Como assim? E o segurança da loja, não é pago para isso? Já um pouco esgotado, pago o pudim e decido ir logo para a casa de meus pais almoçar. E agora, já começo a sentir o stress por ver tanta merda junta acontecendo. Isso porque hoje é um dia normal em um país como o nosso. 
Já no caminho para a casa de meus pais, vejo outros pequenos problemas sociais que nós nem encaramos mais como problemas: crianças fazendo malabares nos semáforos (que deviam estar nas escolas), homens vendendo produtos nas ruas clandestinamente (enquanto lojas a poucos metros dali permanecem vazias, não conseguindo competir com os preços praticados pelos clandestinos que não pagam imposto algum), dezenas e dezenas de pedintes que podiam estar trabalhando, homens chamando mulheres das alcunhas mais vergonhosas em plena luz do dia, pelo simples fato delas estarem com uma calça justa ou um decote... Mas isso nem me afeta mais, pois o brasileiro médio é assim: aceita as pequenas mudanças comportamentais (sempre para pior) como realidade e prefere relevar e se juntar a essa massa de pequenos malfeitores. E é por isso que pessoas ditas honestas roubam TV à cabo ("O serviço é péssimo e muito caro"), têm carteirinha de estudante sem estudar ("A UNE é uma máfia política"), compram DVDs piratas ("Se eles cobrassem o valor justo, eu não precisaria comprar o pirata"), param em vagas de deficientes ("São só 5 minutos") ou furam filas ("Eu não vou ser otário de ficar aqui esperando enquanto todo mundo fura a fila"). Elas se justificam, acreditam nas suas justificativas e ainda reclamam de nossa classe política, sem perceber que são tão desonestas quanto eles.
Almoço com meus pais, e os olho com ainda mais admiração, pois eles conseguiram me passar valores raros em um país como o nosso. É MUITO difícil ser honesto e respeitar ao próximo nos dias atuais. Sério, é MUITO desgastante. Você é passado para trás o tempo inteiro, e tem que relevar tudo se não quiser arrumar encrencas, ser taxado de "estressado" ou morto por qualquer besteira - ate porque em uma sociedade sem respeito ao próximo, a vida, a família e o amor não valem nada.
Lembrando de tudo que passei em pouco mais de 3 horas (acreditem, isso tudo de fato ocorreu na terça anterior ao dia dos pais!), eu percebo que se eu tivesse somente vivenciado o problema com a caixa da loja, do ciclista fora da ciclovia ou do pedestre fora da faixa, isso seria relevado por ser um único problema. Mas acho que nos acostumamos a ver muita coisa errada junta, e o mais grave é que não nos importamos mais, como um paciente em coma que não tem condição de reagir a nenhum estímulo. Não é o comportamento socialmente egoísta que mais me incomoda, é o fato de que além dos espertinhos só aumentarem, os ditos honestos estão se juntando a eles, como quem desiste de ser exceção e se adapta a um universo hostil, onde o "cada um por si" cada vez mais prevalece.
Sinceramente, se eu fosse o presidente do país, eu não saberia nem por onde começar. A base de tudo é a Educação, mas se não oferecerem Segurança, as crianças não vão para a escola. Se não acabarem com os pedintes, flanelinhas e afins, não compensa estudar ou trabalhar. E mesmo se houvesse Segurança, ninguém se forma cidadão sem o básico de Saúde, Saneamento, um Transporte decente e Emprego para que os pais de hoje ofereçam educação e civilidade para seus filhos. Isso sem mencionar a impunidade, presente em todas as esferas e classes sociais. A bandeira do país podia perfeitamente substituir o "ordem e progresso" por algo como "casa da mãe Joana" ou "Vale tudo".
Pouco antes de ir embora, vem a recompensa do dia: o pudim. Como uma droga que me tira de uma realidade extremamente salgada, cada colherada do pudim me entorpece e apaga aos poucos todos os males e problemas vividos. Santo açúcar, santa glicose na veia! Já um pouco mais tranquilo, suspiro fundo e, enfim, volto a sorrir. Não há outra saída, eu tenho que me acostumar a tudo isso. Por quê? Porque hoje foi apenas um dia comum em uma cidade grande de um grande (e pequeno) país chamado "brasil".
(Escrito por Jonas de Paula).
Em primeiro lugar, é preciso aceitar que não estamos onde estamos por acaso ou um capricho do destino.
Ninguém recebe um fardo maior do que consegue suportar, e é das adversidades que surgem as melhores ideias, as melhores lições e os seres humanos mais fortes. Portanto, aceite o mundo que lhe cerca e transforme as adversidades em atitudes. E lembre-se: só sabe o valor do bem quem experimentou o mal (assim como só valorizamos a saúde, um amor ou uma pessoa quando estamos doentes e perdemos entes queridos).